Monday, January 22, 2018

A NOVA DEMOCRACIA BRASIL: Acampamento Jane Júlia: símbolo da resistência camponesa no país


Ano XVI, nº 203 - 2ª quinzena de Janeiro e 1ª quinzena de Fevereiro de 2018

Camponeses seguem produzindo e resistindo em Pau D’Arco desde junho de 2017

Ellan Lustosa/AND
Encontro de Pau D'Arco ocorrido em outubro foi um marco da resistência camponesa

Há sete meses os camponeses do Acampamento Jane Júlia seguem bravamente ocupando parte da fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco, no sudeste do Pará, passando por cima de inúmeras adversidades. Neste período, as famílias têm elevado o seu nível de organização, avançado na produção, com a realização do plantio de diferentes gêneros agrícolas e com a criação de uma associação, e mantendo a resistência contra o terror latifundiário, não se intimidando e nem recuando frente as suas ameaças, ataques, assassinatos e provocações.

Promessas do Incra

Cerca de oito meses da Chacina de Pau D’Arco, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que seguia apenas fazendo promessas às famílias do acampamento, foi obrigado a se posicionar pela compra das terras do latifúndio Santa Lúcia. Tudo graças a contundente mobilização camponesa.

A decisão foi anunciada em uma reunião do Comitê de Decisão Regional do Incra de Marabá, em Pau D’Arco, no dia 21 de dezembro. O Incra se comprometeu a regularizar a posse das terras, que foram retomadas pelos camponeses, com o apoio da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) do Sul do Pará e Tocantins, no dia 13 de junho do ano passado.
Até a decisão do dia 21 de dezembro foram realizadas dezenas de reuniões de cobrança com o Incra regional e nacional, e apesar de todas as pressões os camponeses não arredaram por um milímetro que fosse de sua posse na terra.

A reunião foi realizada no Sintep, sub-sede de Pau D’Arco, mesmo local do histórico Encontro Camponês do Sul do Pará realizado nos dias 28 e 29 de outubro passado, com a presença de camponeses da região, representantes indígenas e quilombolas, representantes da  Associação Brasileira dos Advogados do Povo (Abrapo), Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo), além de representantes de outros movimentos regionais e de caráter nacional.
Com a palavra, a Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres, a LCP do Sul Pará e Tocantins e a Associação Nova Vitória do Acampamento Jane Júlia (nome dado pelos camponeses em homenagem a presidente anterior da associação assassinada na Chacina) demonstraram que o velho Estado não estava oferecendo nada, que esta foi uma vitória da luta, e cobraram justiça, uma vez que nos dias 18 e 19 do mesmo mês, o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) concedeu habeas corpus para 15 policiais acusados de participarem da Chacina.

O local da reunião estava repleto de faixas da LCP, bandeiras e o retrato dos 11 companheiros assassinados (10 na Chacina e mais o camponês Rosenildo, assassinado no dia 7 de julho, logo após a reconstituição do crime pela polícia federal).

Prende, solta e prende

A Chacina de Pau D’Arco gerou uma contradição entre membros do judiciário e do Ministério Público, especialmente entre magistrados da esfera estadual com a federal.


Após a repercussão negativa da suspensão da prisão preventiva de 15 policiais envolvidos na Chacina, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, decidiu no dia 22 de dezembro pelo retorno de oito policiais a prisão preventiva, com o argumento de que os policiais em liberdade colocam em risco a ordem pública e o processo judicial da Chacina. Interpretação esta distinta dos magistrados do TJPA, que na decisão dos dias 18 e 19 de dezembro de concessão do habeas corpus aos policiais alegaram que inquérito policial já havia sido concluído.
Cabe relembrar que as primeiras prisões no caso ocorreram no dia 10 de julho do ano passado, quando o juiz da Comarca de Redenção, Haroldo Silva da Fonseca, decretou a prisão preventiva de 13 policiais (11 militares e dois civis) envolvidos na Chacina a pedido do Ministério Público. Menos de um mês depois, o juiz substituto da mesma Comarca, Jun Kobata, suspendeu a prisão preventiva dos 13 policiais, colocando-os em liberdade.
No dia 26 de setembro, 15 policiais (13 militares e dois civis) foram presos preventivamente pelo seu envolvimento na Chacina. Os policiais foram denunciados pelos crimes de homicídio consumado, homicídio tentado, tortura, associação criminosa e fraude processual. Ao todo 17 policiais civis e militares – de 29 que integraram a operação – foram denunciados pelo Ministério Público pela sua participação na Chacina de Pau D’Arco.
A decisão do judiciário do velho Estado de manter em liberdade os sete policiais ignora intencionalmente o farto material pericial e os depoimentos de sobreviventes comprovando a participação dos policiais (e não apenas esses sete) na execução bárbara e hedionda dos dez camponeses. Além disso, as investigações e o processo judicial focam apenas nos executores da Chacina, não aprofundando as investigações sobre os possíveis mandantes, fazendo assim vista grossa sobre o poder dos latifundiários na região sul e sudeste do Pará. Estes dois fatos são exemplos didáticos de como o judiciário e os seus membros são instrumentos fundamentais para a consolidação e manutenção dos interesses de classe dos latifundiários. Exemplos que ensinam ao povo a não nutrir ilusões com este podre judiciário.
Luta continua e avança
A consequente direção da LCP do Sul do Pará e Tocantins aliada à combatividade dos camponeses do Acampamento Jane Júlia e o seu desejo de vingar o sangue derramado de seus familiares e companheiros de luta tem possibilitado a retomada da fazenda Santa Lúcia e a manutenção da posse de parte das terras, frente a um cenário de um verdadeiro pacotaço de mandados de reintegração de posse emitidos pelo judiciário a serem cumpridos em mais de 20 fazendas no sul e sudeste do estado.
A elevação da organização do movimento camponês combativo na região, como em Pau D’Arco, Redenção e Xinguara, foi uma das vitórias alcançadas pelo histórico Encontro Camponês do Sul do Pará.
O evento foi um importante espaço no qual se travou intensa luta político-ideológica para afirmar como orientação do movimento camponês combativo a conquista da terra e a destruição do latifúndio – expresso, por exemplo, pelas consignas Conquistar a terra! Destruir o latifúndio! e Tomar todas as terras do latifúndio! – e a incorporação cada vez maior, em quantidade e qualidade, de camponeses na luta pela Revolução Agrária, primeira fase da Revolução de Nova Democracia em nosso país, único caminho para a real libertação e mudança de vida do povo brasileiro.
Os camponeses do Acampamento Jane Júlia, com o apoio da LCP do Sul do Pará e Tocantins, seguem lutando, se organizando e avançando no objetivo de assegurar a posse das terras da fazenda Santa Lúcia. As famílias vão se organizando e produzindo sem o apoio dos órgãos do velho Estado, da burocracia sindical e de partidos eleitoreiros. Os camponeses têm se apoiado em suas próprias forças, na força da coletividade e na solidariedade de outras comunidades camponesas e de movimentos populares da cidade. Assim, esses aguerridos camponeses resistem dentro das terras retomadas e com muita luta e combatividade enfrentam corajosamente a campanha de terror e difamação praticada pelo conluio entre latifúndio, velho Estado e monopólio da imprensa.